segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Quando asfaltar uma rua desmascara preconceitos






Há sete meses, a Prefeitura de Pio XII asfaltou um pequeno trecho da Rua do Sossego, entre a BR e a Rua Alferes Sudário. Esse trecho da Rua do Sossego tinha como antiga denominação “Rua dos Pretos”. E, mesmo sendo uma das mais antigas do município de Pio XII e de estar localizada tanto perto da BR 316 como perto do centro da cidade, a rua nunca tinha sido asfaltada antes. Assim, não é de se estranhar que essa “novidade” tenha sido comemorada por muitos moradores e pelos representantes da administração municipal. É válida a comemoração. No entanto, é necessário refletirmos sobre as prováveis razões de um logradouro tão antigo ter ficado “esquecido” por décadas pelas autoridades municipais. No meu entender, esse “esquecimento” é a expressão inequívoca do preconceito racial institucionalizado.
O logradouro, repetimos, informalmente denominado “Rua dos Pretos”, é um daqueles tantos casos de batismos espontâneos de ruas. Assim, o nome pode representar uma homenagem aos seus primeiros moradores, que, em sua maioria, eram negros. Vista por outro ângulo, infelizmente, a suposta homenagem poderia simbolizar a transformação da rua em gueto, como se a intenção fosse a de alertar a um transeunte incauto: “cuidado, estás a pisar em território de ‘pretos’; logo, coisas de ‘pretos’ aí encontrarás”. Acredito que foi o preconceito enraizado no espírito de prefeitos e secretários municipais o que os tornou insensíveis às necessidades da rua e de seus moradores, entre as quais a necessidade de asfalto. Afinal, as ruas principais e adjacentes que perfazem o núcleo central da cidade de Pio XII, entre elas a antiga “Rua dos Pretos”, existem desde 1977, ano da mudança e constituição da nova sede do município. E, no entanto, somente em 2015 a rua recebeu asfalto pela primeira vez.
Porém, independentemente de como se analise a questão, é inegável que as pessoas que moram na rua têm todo o direito de se alegrar, depois de longos anos de espera. Fiz ontem uma visita à rua e ouvi o comentário de uma moradora, que destacou que uma grande diferença que ora se observa é, por exemplo, nos dias de chuva: antes do asfalto, as pessoas caminhavam com extremo cuidado sobre o barro escorregadio. Hoje esse risco não existe mais.
Mesmo sabendo que o prefeito Paulo Veloso não fez mais que a sua obrigação, não podemos deixar de elogiá-lo. Seja em valores econômicos ou quanto à sua extensão, a obra não é grandiosa. O que deve ser ressaltado é a atitude republicana da administração municipal em mostrar que esse pequeno trecho da Rua do Sossego não é um gueto ou uma senzala urbana e que os moradores da rua merecem ser tratados com respeito.
A história deixa as suas lições. A principal é a de que a política municipal precisa desenvolver ações que visem a superação do “esquecimento” a que foram relegados os negros em Pio XII.
Eu iria mais longe e afixaria uma placa na entrada da rua com os dizeres: “Este trecho da Rua do Sossego, batizado informalmente de ‘Rua dos Pretos’ e que tem entre os seus primeros moradores cidadãos afrodescendentes, só foi asfaltado pela primeira vez em fevereiro de 2015. Fica aqui o nosso agradecimento pela obra e, ao mesmo tempo, o nosso protesto pelos longos anos de esquecimento”.
Pio XII, Maranhão, 21 de setembro de 2015.

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